20 de agosto de 2011

quedado

Era fim de tarde e um automóvel descia calmamente a encosta da colina, com o oceano ao fundo e a sucessão de outras colinas e pequenos promontórios também ao fundo, mas distantes à sua passagem. Estava ali à espera de começar a descer calmamente aquela verde colina colorida pelas flores dessa estação. Parecia sereno. Antes de dar o primeiro passo quis olhar para trás. Iniciou a descida da colina até à sua casa situada junto a um ribeiro ladeado de choupos, que iam progressivamente desaparecendo à medida que as terras se adensavam mais salgadas. Ao lado, um poço, de água-doce. Em casa, uma mulher,  vivia com ele os últimos dias.
- O tempo dirá. – disse ela, reclinando-se na cadeira por debaixo do alpendre. – o tempo dirá…
Descendo da colina, desatou a correr que nem um doido, largou as muletas, tropeçou várias vezes em si, e chegou ao seu destino a custo, entre trambolhões e passadas largas, e outras breves pausas que lhe roubavam da imobilidade um escasso momento de calma ao movimento.
À porta de casa levantou-se olhando para ele:
- Que idade tens? – És um rapaz novo? Não. Bem me parecia. Olha para ti, todo arranhado mais uma vez. Dói-te alguma coisa? Tens a testa arranhada e os joelhos esfolados… olha para mim. Porquê…
Envergonhado como um infante, nada disse. Pendeu a cabeça entre os ombros e entrou, já o sol se cruzava laranja na base da única janela que aquela casa tinha. Seguiu até à casa de banho para se limpar sobre ferido. Amparando-se na parede e na ombreira da porta, no lavatório e na banheira, conseguiu finalmente sentar-se no bidé. Descalçou as botas, desabotoou a camisa, tirou as calças e ficou nú olhando-se de frente num espelho partido pendurado atrás da porta. Velho, como um pensamento… Olhava tranquilamente por cima das sobrancelhas franzindo a testa e afastando os cabelos colados às feridas resultantes das múltiplas quedas a si infligidas. Não tinha já idade para caminhar, muito menos para tentar voar.
- Estás bem? – perguntou ela tentando abrir a porta, uma única vez... e voltou-se para trás caminhando na direcção do jardim, deixando-o em paz, como de costume.
Olhando o espelho, com as mãos esgadanhadas e depositadas no apoio do lavatório, suspirou de alívio. Voltou a levantar a cabeça, passou as mãos pelo cabelo e lavou a cara, secando-a na camisa rasgada.









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