23 de outubro de 2013

O que me faz diferente

O que me faz diferente 
(além, está bem de ver, do exoesqueleto) 
é talvez não ter alma interior; 
uma coisa qualquer sobrevivente 
que me faça durar, ainda que seja 
na forma inferior do ectoplasma 
ou no fátuo rumor da borboleta. 
É breve a vida; mal sabemos 
fiar um fio, e conceber a seda, 
já se gastou a areia na ampulheta; 
a frágil obra que fizemos, fica 
aberta ao vento, à chuva, ao descuidado 
ofício da coruja e da serpente. 
E como é escura a noite, só rasgada 
pelo grito tenaz dos predadores; 
ou, quando iluminada, é pelo fogo 
que devasta os casulos e envenena 
o jovem mel guardado nas colmeias. 
À falta de melhor, antes prefiro 
que ande lá fora, a pouca e perecível 
alma que tenho; e se misture 
tão bem a cada instante, que apeteça 
vivê-lo eternamente; porque o tempo 
é, como eu, um mero fabricante 
de véus e teias que os humanos rasgam 
sem sentir como nelas estão presos. 

por António Franco Alexandre, in ARACNE. 2004. Assírio & Alvim. p.36 
Fotografia | Zenit-E | Kodak 200 Color Plus

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